Gostaria
de contar uma história que aconteceu quando eu ainda morava em Canguçu. Eu estava em casa preparando uma atividade para
desenvolver na escola dominical da Congregação Concórdia. Nesta atividade
falaríamos sobre a Arca de Noé. E uma das práticas seria colar penas sobre um
desenho grande, uma pomba desenhada sobre uma cartolina. Bem, estava tudo
preparado para a atividade, mas faltavam as tais penas. Então, lembrei que
tínhamos alguns travesseiros com penas de pato e disse para minha esposa: vou
abrir um travesseiro e tirar algumas penas. Ela não gostou da ideia e
respondeu: não faça isso! Perguntei: Por que? Respondeu: por causa das plumas.
Plumas?! Sim plumas, elas são leves como o ar e quando você abrir o travesseiro
elas sairão e você não conseguirá controlá-las. Eu, teimoso como todo bom pomerano,
resolvi não seguir o conselho. Quando ela não estava em casa abri o
travesseiro, assim, devagarzinho. Quando percebi que as tais plumas começaram a
sair, como minha esposa havia dito que aconteceria, mais do que ligeiro apertei
o travesseiro para segurá-las e... as plumas! Ah! As tais plumas! Até hoje
alguma deve estar flutuando por lá.
Mas
você deve estar se perguntando por que estou falando de plumas. Falo de plumas porque
quero falar de palavras. Assim como as plumas são as palavras. As palavras
também são leves como o ar. Flutuam, não conseguimos controlá-las, estão por aí
o tempo todo. Ditas, escritas. Das mais diversas formas, pessoalmente,
virtualmente. E um exercício que faço,
por vezes, é parar para escutar as palavras que “flutuam”. Não aquelas
preparadas previamente, mas aquelas ditas sem muitas preocupações pelas pessoas
que me cercam em meu dia a dia. Tente você fazer isto. É bem legal! Você verá
quantos planos para o futuro. Quantas viagens a serem realizadas. Quantos
carros, quantas casas a serem compradas. Não que as pessoas não as tenham, mas é
preciso melhorar! Afinal de contas, é
preciso melhorar em tudo, sempre![1] Você ouvirá também muitos
lamentos. Lamentos pelo que passou. Perdas de emprego, bens, saúde, namorado,
namorada, amigos. Enfim. Mas o que ouvimos pouco é a respeito do presente, aqui,
agora[2]. Por horas parece até que este tempo nem
existe como afirma um escritor francês chamado Ferry:
Imaginamos
que seríamos muito mais felizes se tivéssemos isso ou aquilo, sapatos novos ou
um computador turbinado, uma outra casa, outras férias, outros amigos... Mas de
tanto lamentar o passado ou ter esperança no futuro, acabamos por perder a
única vida que vale ser vivida, a que depende do aqui e do agora, e que não
sabemos amar como ela certamente merece[3].
Contudo
as palavras expressam ainda outro aspecto. Este bastante sério e preocupante. Elas
expressam, muito frequentemente, um grande vazio, uma angústia com a qual é
difícil de conviver, uma angústia que leva muitas pessoas a se sentirem infelizes,
e que buscam socorro principalmente nos medicamentos e em algo transcendente.
Mas,
por favor, me permitam voltar às plumas e às palavras. Quero agora falar de uma
palavra em especial. Costuma ser escrita com a inicial maiúscula. A Palavra[4]. Esta também “flutua”,
nunca sabemos aonde ela irá “pousar” (Jo 3.8). Esta Palavra é aquela pela qual
acreditamos que tudo tenha sido criado (Jo 1.3). Todo o universo, não importa o quão
grande ele seja. Tudo aquilo que conhecemos. Também a vida em sua essência, não
importa o quão micro ela se manifeste. Esta Palavra esteve presente em forma
humana em Jesus Cristo que morreu e ressuscitou nos mostrando assim que ela é
poderosa a ponto de vencer a própria morte. Esta Palavra pode preencher o vazio[5] sentido pelas pessoas. Onde
ela pousa dá consolo em relação ao passado, dá sentido para o futuro e dá
alegria no presente.
Assim
como plumas somos nós também. Estamos presentes, visíveis e no instante
seguinte não somos mais vistos. Logo somos levados embora. Porém sabemos para
aonde vamos. Guiados pela Palavra vamos de volta para a nossa verdadeira terra
natal. A terra da qual somos frutos. A terra celestial.
[1] CERTEAU,
Michel afirma que somos induzidos à ilusão. Levados a buscar sempre o novo e
logo a seguir o renovo sem tempo para apreciar aquilo que de fato temos. [1]
CERTEAU, Michel; A Cultura no Plural; 7º ed; Campinas; São Paulo; 2012.
[2]HANNAH,
Arenth, afirma que o ser humano vive entre a angustia e os planos para o
futuro, esquecendo-se do presente. HANNAH Arendth; Entre o passado e futuro;
Perspectiva S.A.; 6° ed; São Paulo;
[3] FERRY,
Luc. Capítulo 1: O que é a filosofia? In: Aprender a Viver – Filosofia para os
Novos Tempos. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda., 2006.
[4] “No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”;
Jo 1:1 ARA.
[5]
Lipovetky afirma que vivemos em uma era vazia, sob o individualismo, em uma
busca constante e sem fim. LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio; Ensaio sobre o
Individualismo Contemporâneo; Barueri; São Paulo; 2005.
Daison Mülling Neutzling
Teologando do Seminário Concórdia e da ULBRA
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